Terapia ocupacional em crianças com TDAH: “…você é médica? vai me ajudar a parar o meu corpo?”
Nada melhor do que escutar quem entende do assunto: a própria criança. Ela nos dá a dica do que não anda bem em sua vida.
Este é o questionamento de um menino de 5 anos de idade iniciando um programa de terapia ocupacional na abordagem de Integração Sensorial. Diante dos materiais disponíveis na sala M* escolheu brincar de se pendurar no trapézio e cair em um colchão inflável na contagem “1,2, 3 e já”, gritando a “palavra de guerra” escolhida por ele.
Combinamos previamente e planejamos como seria a brincadeira.
Para isso acontecer foi necessário a minha mediação para M. poder selecionar os materiais, sustentar a atenção aos passos da construção da brincadeira., bem como lembrar sobre o cuidado com sua segurança. Só durante a ação descobriu que precisava subir em algo como um puff para alcançar o trapézio. Que era necessário uma certa distância entre o puff e o colchão para conseguir acertar o pulo no alvo. Que precisava se manter por um tempo se pendurando pelas mãos percebendo o tempo da contagem até se soltar e cair. Percebeu ainda que era difícil falar a palavra enquanto pulava, preferindo só pular.
Depois propus para ele registrar a brincadeira por um desenho mas não foi possível, por enquanto.
No meio da brincadeira me chamou atenção a elaboração de sua pergunta:
M- ” isto faz parar meu corpo?”
M- ” isto faz parar meu corpo?”
Eu- ” você está falando sobre o que?”
M- ” …essa brincadeira…você é médica? vai me ajudar a parar o meu corpo?”…e conversamos sobre o que estava lhe angustiando e o motivo de ele vir a terapia ocupacional.
M. apresenta excelente nível intelectual e veio indicado pela escola devido a quedas frequentes e dificuldades de atenção.
A aparente simplicidade desta brincadeira requer muitas habilidades, dentre elas: domínio do próprio corpo, e do corpo no ambiente; evocar uma intenção e formular uma ideia, implícita a motivação; ativar a memória; dirigir, focar e sustentar a atenção; planejar, selecionar os materiais e estratégias para se chegar ao objetivo; inibir uma ação para priorizar a principal; habilidade para iniciar, prosseguir e finalizar ações sequenciais de modo integrado do seu corpo com o meio.
Muitas destas habilidades são difíceis em crianças com sinais sugestivos de Disfunção de Processamento Sensorial, presente em algumas crianças com diagnóstico de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH).
Trouxe este comentário para ilustrar o quanto algumas crianças desde tão jovens passam por momentos em que se vêem não correspondendo a si próprio ou aos pais e professores. Muitas famílias trazem como queixa as quedas frequentes, inquietação, “preguiça”, falta de atenção, atraso na aprendizagem da leitura e escrita, preferências por brincadeiras muito infantis ou falta de organização nas atividades de auto cuidado, às vezes com prejuízo na interação social.
Este assunto envolve vários aspectos emocionais, cognitivos e sensoriais. É difícil até para as famílias escolher o tratamento mais adequado principalmente quando é necessário uma equipe multidisciplinar.
Acredito que podemos começar escutando as necessidades da criança e das pessoas que se relacionam com ela, e a partir daí ir em busca de diagnóstico e intervenção terapêutica. Em crianças com TDAH, a depender do caso, é necessário entrar com medicação como auxílio, mas não esquecendo de valorizar o apoio à criança no sentido de favorecer uma qualidade melhor de relação dela no meio quem que vive, seja na escola, em casa ou no meio social.
Neste último entra o papel do terapeuta ocupacional criando um ambiente onde a criança irá vivenciar o seu corpo no campo sensório motor, elencando brincadeiras junto à criança para integrar corpo, atenção e memória, organizando no tempo e espaço.
Do concreto ao abstrato.
Do real ao imaginário.
É a cognição ligada a vivência corporal. Essencial para as funções executivas.
É do corpo que se começa e que constrói a história…
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